quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Depilação é a burca brasileira

Queridos leitores,

Li este texto no perfil de uma colega que está passando por uma experiência incrível no Egito!
Espero que gostem e reflitam =)

 Depilação é a burca brasileira


"Venho recebendo várias perguntas de mulheres e amigas do Brasil curiosas em entender um pouco mais do cotidiano feminino aqui do outro lado do mundo. Pois bem.
Não é a primeira vez que saio do nosso país, mas esta com certeza está sendo uma experiência completamente nova para mim. Participar de um projeto mundial de jovens, através da AIESEC tem sido uma Superexperiência. O local? Egito, no norte da África, país muçulmano considerado um dos mais ocidentalizados entre os países árabes. Muitas histórias, muita coisa nova, muito aprendizado cultural – e é so a primeira semana da jornada.
Fato é que eu estou no país faz alguns dias, quando conheci a primeira mulher egipcia quase da minha idade. Na delegação arabe só tem representantes homens. A menina egípcia, me explicou que a dificuldade vai além das barreiras de gênero culturais, mas inclui também a legislação que não permite que mulheres viajem sem seus maridos ou familiares homens a não ser que tenham autorização expressa documentada. Em 2015 aqui no Cairo eu não sabia disso.
Em 2015, sobre o Egito eu não sabia de muitas coisas.
Reproduzirei um discurso segundo o qual as mulheres árabes muçulmanas são infelizes oprimidas e deveriam era fazer logo uma revolução, não usar véu e sair de fio dental por aí. Fio-dental sim é que é liberdade. Depois dessa viagem tenho pensado e repensado e apos encontrar essa mulher na minha vida e vir observando tantas outras meninas árabes muçulmanas, enxergo o quão complexas são as questões de dominação. Em qualquer lugar. Ponto.
Então, ok. Sei lá quantos jovens de dezenas de países diferentes, todos juntos. Tenho feito amigos do Japão, da Irlanda, do México, da Argentina, do Canadá e por aí vai. Não à toa que minha página do Facebook tem centenas de amigos com nomes às vezes impronunciáveis em português. Culpa desses eventos e viagens deliciosos. O nome da primeira egípcia que conheci não me lembro. Ela mudou minha vida e nem mesmo trocamos contato.
Eu brasileira, todo mundo quer conversar, saber sobre o Brasil, sobre samba, Dilma Rousseff, política, Neymar, Rio de Janeiro, churrasco e falar que ama o Brasil. E não é novidade que falar e instigar não seja um problema para mim. Então a partir dai, é fácil conversar e conquistar a simpatia das pessoas. Ontem fazia 40ºC na sombra. O clima aqui é muito quente e muito seco e estávamos em uma roda de discussões.
Começamos a conversar, ela supersimpática, uma fofa, fofa, fofa. Aí reparei que enquanto eu estava de saia (longa) blusinha de manga e cabelo preso, ela estava de saia até o tornonzelo, meias, tênis fechado, blusa de manga comprida e véu. Não são muitas jovens que usam véu aqui. Algumas senhoras e meninas apenas, pelo que venho percebendo.
Imaginei que ela estivesse morrendo de calor e perguntei. Ela disse que não, que já estava acostumada e as roupas ainda a protegiam do sol. Em minha ignorância antropológica pensei “coitada, tão dominada…” e continuei cutucando o assunto pra ver se dava caldo. Quem sabe ela não começava uma revolta ali mesmo? Quem sabe eu, que era ocidental, educada na liberdade, não abria seus olhos?
Ela me disse, então, algo muito, mas muito, muito, muito sábio. Gostaria de ter registrado as palavras exatas, mas não lembro. Tentarei reproduzir.
– As roupas compridas aqui são a depilação de vocês.
– Hein? Eu disse.
– Nós podemos, aqui usar roupas curtas como as que você usa no Brasil.
– Então como não usam, com um calor desses?
– Bom, aí é que está a questão. Poder, você pode. Mas se você usar, não consegue namorado, aí não consegue casar, aí é uma tristeza pra você e pra sua família…
– Mas e a depilação?
– Bom, imagino que dói fazer depilação, certo?
– Sim.
– Então por que vocês se depilam sempre? Teoricamente você pode parar certo?
– É, mas aí…
Creio, amigos que não preciso continuar a conversa. Nós, mulheres tememos que aconteça algo se não nos depilarmos? Por que nos sentimos “sujas” ou “feias” se não estamos depiladas?
Depois desta lição de vida (e outras mais) nesta viagem incrivel meu ponto de vista e minhas perspectivas e opiniões sobre depilação, véu, burca, dominação de gênero, estética e por aí vai, mudaram para sempre. A complexidade das relações que estabelecem um fenômeno social (como este sentimento de imprescindibilidade da depilação na sociedade brasileira) vai muito além de relações imediatistas de causa e consequência como somos levados a acreditar pelos meios de comunicação de massa.
Em suma: o buraco é muito mais embaixo.
[Ps.: prova disso é que eu queria colocar uma figurinha aqui que representasse dor de depilação; na internet inteira, via Google Images, só encontrei fotos de mulheres FELIZES, SORRINDO durante a depilação. Alguém aí sorri no meio da depilação? As únicas que apareciam de gente sentindo dor eram de… homens. Então tá, sociedade, falou, só homens sentem dor ao arrancarem pelos com cera quente.]
Conto mais em breve!"
 Jeniffer Damarys Silva


No meu ponto de vista, essas mulheres são "escravas da burca" assim como nós, brasileiras, somos "escravas" dos padrões de estética que a sociedade impõe. Vejo esses padrões de certa forma aprisionando algumas mulheres mais a cada ano que passa devido também à grande influência das redes sociais. Enfim, cada cultura tem a sua burca! 
(Claro que no caso do Egito há a forte submissão das mulheres, afinal estamos falando de uma cultura completamente diferente da nossa. Mas este é tema para um novo texto!).



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