Li este texto no perfil de uma colega que está passando por uma experiência incrível no Egito!
Espero que gostem e reflitam =)
Depilação é a burca brasileira
"Venho recebendo várias
perguntas de mulheres e amigas do Brasil curiosas em entender um pouco mais do
cotidiano feminino aqui do outro lado do mundo. Pois bem.
Não é a primeira vez que saio do
nosso país, mas esta com certeza está sendo uma experiência completamente nova
para mim. Participar de um projeto mundial de jovens, através da AIESEC tem
sido uma Superexperiência. O local? Egito, no norte da África, país muçulmano
considerado um dos mais ocidentalizados entre os países árabes. Muitas
histórias, muita coisa nova, muito aprendizado cultural – e é so a primeira
semana da jornada.
Fato é que eu estou no país faz
alguns dias, quando conheci a primeira mulher egipcia quase da minha idade. Na
delegação arabe só tem representantes homens. A menina egípcia, me explicou que
a dificuldade vai além das barreiras de gênero culturais, mas inclui também a
legislação que não permite que mulheres viajem sem seus maridos ou familiares
homens a não ser que tenham autorização expressa documentada. Em 2015 aqui no
Cairo eu não sabia disso.
Em 2015, sobre o Egito eu não sabia
de muitas coisas.
Reproduzirei um discurso segundo o
qual as mulheres árabes muçulmanas são infelizes oprimidas e deveriam era fazer
logo uma revolução, não usar véu e sair de fio dental por aí. Fio-dental sim é
que é liberdade. Depois dessa viagem tenho pensado e repensado e apos encontrar
essa mulher na minha vida e vir observando tantas outras meninas árabes
muçulmanas, enxergo o quão complexas são as questões de dominação. Em qualquer
lugar. Ponto.
Então, ok. Sei lá quantos jovens de
dezenas de países diferentes, todos juntos. Tenho feito amigos do Japão, da
Irlanda, do México, da Argentina, do Canadá e por aí vai. Não à toa que minha
página do Facebook tem centenas de amigos com nomes às vezes impronunciáveis em
português. Culpa desses eventos e viagens deliciosos. O nome da primeira
egípcia que conheci não me lembro. Ela mudou minha vida e nem mesmo trocamos
contato.
Eu brasileira, todo mundo quer
conversar, saber sobre o Brasil, sobre samba, Dilma Rousseff, política, Neymar,
Rio de Janeiro, churrasco e falar que ama o Brasil. E não é novidade que falar
e instigar não seja um problema para mim. Então a partir dai, é fácil conversar
e conquistar a simpatia das pessoas. Ontem fazia 40ºC na sombra. O clima aqui é
muito quente e muito seco e estávamos em uma roda de discussões.
Começamos a conversar, ela
supersimpática, uma fofa, fofa, fofa. Aí reparei que enquanto eu estava de saia
(longa) blusinha de manga e cabelo preso, ela estava de saia até o tornonzelo,
meias, tênis fechado, blusa de manga comprida e véu. Não são muitas jovens que
usam véu aqui. Algumas senhoras e meninas apenas, pelo que venho percebendo.
Imaginei que ela estivesse morrendo
de calor e perguntei. Ela disse que não, que já estava acostumada e as roupas
ainda a protegiam do sol. Em minha ignorância antropológica pensei “coitada,
tão dominada…” e continuei cutucando o assunto pra ver se dava caldo. Quem sabe
ela não começava uma revolta ali mesmo? Quem sabe eu, que era ocidental,
educada na liberdade, não abria seus olhos?
Ela me disse, então, algo muito, mas
muito, muito, muito sábio. Gostaria de ter registrado as palavras exatas, mas
não lembro. Tentarei reproduzir.
– As roupas compridas aqui são a
depilação de vocês.
– Hein? Eu disse.
– Nós podemos, aqui usar roupas
curtas como as que você usa no Brasil.
– Então como não usam, com um calor
desses?
– Bom, aí é que está a questão.
Poder, você pode. Mas se você usar, não consegue namorado, aí não consegue
casar, aí é uma tristeza pra você e pra sua família…
– Mas e a depilação?
– Bom, imagino que dói fazer depilação,
certo?
– Sim.
– Então por que vocês se depilam
sempre? Teoricamente você pode parar certo?
– É, mas aí…
Creio, amigos que não preciso
continuar a conversa. Nós, mulheres tememos que aconteça algo se não nos
depilarmos? Por que nos sentimos “sujas” ou “feias” se não estamos depiladas?
Depois desta lição de vida (e outras
mais) nesta viagem incrivel meu ponto de vista e minhas perspectivas e opiniões
sobre depilação, véu, burca, dominação de gênero, estética e por aí vai,
mudaram para sempre. A complexidade das relações que estabelecem um fenômeno
social (como este sentimento de imprescindibilidade da depilação na sociedade
brasileira) vai muito além de relações imediatistas de causa e consequência
como somos levados a acreditar pelos meios de comunicação de massa.
Em suma: o buraco é muito mais
embaixo.
[Ps.: prova disso é que eu queria
colocar uma figurinha aqui que representasse dor de depilação; na internet
inteira, via Google Images, só encontrei fotos de mulheres FELIZES, SORRINDO
durante a depilação. Alguém aí sorri no meio da depilação? As únicas que
apareciam de gente sentindo dor eram de… homens. Então tá, sociedade, falou, só
homens sentem dor ao arrancarem pelos com cera quente.]
Conto mais em breve!"
Jeniffer Damarys
Silva
(Claro que no caso do Egito há a forte submissão das mulheres, afinal estamos falando de uma cultura completamente diferente da nossa. Mas este é tema para um novo texto!).
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